PERFIL
INDÍGENA NA CAPITANIA DE ILHÉUS
Traçando
um perfil étnico das tribos indígenas que aqui habitavam, é possível afirmar,
de acordo com estudos arqueológicos, que os grupos de origem Tupi, da família
Tupinambá tem sua origem na região norte, onde se deslocaram para o litoral, e
a partir disso, desalojando outros grupos já existentes, provavelmente de
ascendência Jê. (MAESTRI, 1995).
No grande território da
capitania de Ilhéus, que correspondia a barra do rio Jaguaripe, ao sul da ilha
de Itaparica até o rio Jequitinhonha no sul do atual estado da Bahia. Neste
território as populações indígenas tiveram uma grande importância no processo
colonizador, e muitos dos seus elementos culturais e econômicos influenciaram
portugueses e africanos. Segundo Marcelo Henrique Dias, o papel indígena foi
fundamental na construção dessa nova sociedade.
“
As populações indígenas [...] constituíram-se, ao longo do período colonial,
num importante contingente populacional e na principal força de trabalho
voltada para atividades como extração e a condução de madeiras de lei, a
extração e o beneficiamento de fibras vegetais utilizadas na construção naval
(embiras), o artesanato de contas de rosário, redes de pesca e de dormir
(giróis) etc.” (DIAS, 2016, p.187)
Alguns destes elementos
estarão presentes na configuração do nosso museu virtual do Engenho de Santana.
Será fundamental entender as heranças culturais indígenas e como isso está
presente em todo período colonial no Brasil.
Seguindo relatos de cronistas do
século XVI, Florestan Fernandes descreve as aldeias tupinambás como
subdivididas em unidades, chamadas de malocas. Estas habitações estavam
divididas em forma de centro, com uma grande área no meio, onde aconteciam as
festas e rituais da tribo, a exemplo da antropofagia. Durante a chegada dos
portugueses havia uma média de 650 à 850 índios por maloca; (FERNANDES, p.
58-64). A alimentação se dava através de
mandioca, cultivada em suas próprias roças, com a utilização técnica da coivara
(derrubada e queima de uma determinada área para o cultivo) procedimento ainda
praticado por índios em algumas regiões do Brasil. Tanto a alimentação com
mandioca quanto a técnica da coivara, foram utilizadas por portugueses e
africanos no Engenho de Santana, a farinha por exemplo, era a base principal da
alimentação. Sobre essa prática e a alimentação a base de mandioca, Hans Staden
descreve:
“Quando querem plantar derrubam
as árvores do lugar que para isso escolheram e deixam-nas secar por cêrca de
três meses. Então lhes deitam fogo e queimam-nas. Depois fincam as mudas da
planta de raízes que usam como pão entre as cepas das árvores". (A mandioca)
"é um arbusto de uma braça de altura e que cria três raízes. Quando querem
prepará-las, arrancam os arbustos, destacam-lhes as raízes e enterram de nôvo
pedaços das hastes. Estas pegam e desenvolvem-se tanto em seis meses que podem
ser utilizadas. Preparam a mandioca de três modos: Primeiro, moendo as raízes,
expremendo a massa e torrando-a num alguidar. Segundo, deixando as raízes de
môlho e secando a massa, no fumeiro. Terceiro, misturando raízes desfeitas em
água com farinha e torrando tudo" (HANS STADEN, p.15)
Outra característica marcante das
tribos Tupinambás, era a antropofagia. Ritual de guerra que envolvia a captura
e a morte do inimigo e a sua ingestão para perpetuação dos saberes e da memória
do grupo. Muitos cronistas e padres jesuítas consideravam o ritual como grande
expressão de vingança e ódio em relação ao inimigo. Para Viveiros de Castro, a
antropofagia não era somente a vingança e a sua incapacidade de perdoar ou
esquecer dos Tupinambás, ela era a produção da memória e a sua perpetuação no
corpo social do grupo. (CASTRO, 1992). É interessante observar a antropofagia
como a multiplicidade da cultura indígena e as constantes rivalidades tribais.
Assim como os africanos, os índios da américa, guerreavam entre si, e isso
expressava sua falta de homogeneidade e originalidade dentro do corpo social.
Os nativos indígenas e os africanos que aqui chegaram expressão suas
rivalidades e diferenças. Sobre estes, fica evidente na Revolta Escrava do
Engenho de Santana (1789), a diferença entre negros vindos da África (pretos
minas) e os nascidos no Brasil (crioulos).
No ritual antropofágico, após ser
capturado, o inimigo era introduzido no cotidiano dos Tupinambás, eram lhe
oferecidos todas as condições para sua socialização, podendo até mesmo casar e
ter filhos, tornando assim membro da tribo. Porém, o recém chegado não deveria
perder a consciência de sua execução. O objetivo era cria uma cumplicidade na
relação, pois para um Tupinambá, o inimigo ideal era outro Tupinambá.
Levado
ao terreiro, pintado e decorado, preso pela mussurana, o cativo esperava seu
carrasco que, portando um diadema rubro e o manto de penas de íbes vermelha,
aproximava-se de sua presa, imitando uma ave de rapina. Recebia a maça, a
ibirapema, das mãos de um velho matador, e então tinha início o famoso diálogo
ritual com a vítima. (Fausto 1992: 391/392)
Com
ares teatrais o ritual tinha falas e encenação entre o inimigo e o guerreiro
tupinambá. “Não sabes tú que tú e os teus mataram muitos parentes nossos e
muitos amigos? Vamos tirar a nossa desforra e vingar estas mortes. Nós te
materemos, assaremos e comeremos!”. O inimigo respondia [...] “– Pouco me
importa, tú me matarás, porém eu já matei muitos companheiros teus. Se me
comerdes, fará apenas o que já fiz eu mesmo. Quantas vezes me enchi com a carne
de tua nação! Ademais, tenho irmãos e primos que me vingarão.”
O ritual de guerra e sua perpetuação
como memória no grupo, está relacionado também com a masculinidade tupinambá,
já que o guerreiro só poderia casar-se após ter matado um inimigo. Essa festa
representava um rito de passagem no qual o jovem tupinambá torna-se adulto e
passa desempenhar outras funções dentro da tribo.
Os índios de origem Tupi, chamavam
Ilhéus de Nhoesembé; não se sabe precisamente o real significado desse termo,
segundo Barbosa, acreditasse que possa significar “a fusão da exuberância
tropical de suas matas com as ondas revoltas do mar, que cobririam as praias
com suas espumas prateadas” (BARBOSA, p.45). Os tupi que habitavam o litoral,
eram principalmente das tribos tupiniquins; já os índios do interior eram de
origem Tapuia ou Jê, em Ilhéus sobretudo os Aimorés.
Estas
tribos foram fundamentais para o processo de implantação dos engenhos de açúcar
no início da colonização. Em inventário do patrimônio de Mem de Sá, de 1572; o
Engenho de Santana contava com 132 escravos, sendo 125 indígenas e 7 negros
vindo da Guiné. (FILHO, 2000, p.24)
Os
Aimorés eram índios nômades, dormiam nos troncos das arvores e não praticavam a
agricultura. Grandes caçadores e conhecedor das matas, usavam bem os
instrumentos de arco e flecha. Os Aimorés guerreavam constantemente com
portugueses e tribos rivais; principalmente os Tupiniquins do litoral. Estes
eram considerados mais pacíficos, praticavam a agricultura e vivam da caça e da
pesca, foram bons aliados dos portugueses no início da colonização da
capitania.
“Enquanto os tupiniquim construíram casas de
taipa, cobertas de palha e viviam da pesca, da caça e do cultivo da terra, os
Aimorés dormiam sob as árvores e não cultivavam a terra, fazendo frequentes
incursões ao litoral para conseguir pescados, o que originava luta entre as
duas nações” (VINHÁES, p.37)
A intensificação da
exploração da mão de obra indígena, diante do crescimento dos empreendimentos
desenvolvidos pelos portugueses, dá início a uma série de resistência por
partes dos nativos, muitos deles se recusando ao trabalho forçado, destruindo
plantações e fugindo para o interior das matas. Neste período a produção de
açúcar nos engenhos de ilhéus ficaram comprometidas e o número de engenhos foi
reduzido de oito em 1570, para três em 1583 (DIAS, 2007, p.64). Sobre esse
caráter bélico de resistência e luta indígena na colonização veremos a batalha
dos nadadores.
Em 1559, ocorre uma revolta dos
índios Tupiniquim; famosa Batalha dos Nadadores. A história se desenrola com o
fato de um índio ter sido morto e seu assassino ter ficado impune, lava os
indígenas a vingarem matando dois brancos na estrada de Ilhéus para Porto
Seguro, além de destruir uma roça, amedrontando assim a população local.
Segundo Silva Campos, essa reação indígena, encorajou outros índios a reagirem
contra os colonos da vila. Os revoltosos queimaram outras fazendas e em seguida
cercaram a sede da capitania. “De tal jeito, que ficaram reduzidos os moradores
a se alimentar, exclusivamente, de laranjas dos seus quintais” (CAMPOS, p.82).
Diante do caos instaurado, muitos
colonos recorreram a um pedido de ajuda ao Governador Geral do Brasil, Mem de
Sá, em Salvador. Este, levando o pedido junto a um conselho de guerra, ficou
acertado que haveria um envio de ajuda para Ilhéus. ” Levou consigo Mem de Sá
um intrépido capitão, afeito às guerras brasílicas, Vasco Rodrigues Caldas, que
foi seu braço direito na campanha, e muitos índios das aldeias da Bahia” (CAMPOS,
p.82); a contra gosto de parte da população de Salvador, estes temiam que com a
saída do governador geral, os índios circunvizinhos poderiam ataca-los. É
interessante observar como os portugueses se aproveitavam das diferenças étnico
culturais das tribos indígenas para facilitar a repressão a índios rebelados;
esta tática foi também utilizada no continente africano, no processo de captura
de negros para serem escravizados nas colônias.
Ao desembarcar em Ilhéus com os
índios da Bahia, Mem de Sá foi recebido por moradores assustados com os
constantes ataques indígenas. “que se mais tardara oito dias, dizem que os
achara comidos dos índios, e si tiveram embarcações todos houveram já
despovoado” (NOBREGA, p. 214). Logo após a chegada é organizada uma expedição
com apoio de moradores da vila para combater os índios rebeldes.
O grande massacre indígena acontece
na praia do Cururupe (mar de sangue), que recebe esse nome em razão da grande
batalha. Cercados pelas tropas do Capitão Vasco Rodrigues Caldas, homem afeito
a guerras contra os nativos, os índios revoltosos se lançaram ao mar; porém
foram alcançados pelos índios das aldeias da Bahia, nadadores exímios, aliados
de Mem de Sá. A luta se desenrola a cerca de uma légua da costa; já cansados,
muitos tupiniquins foram mortos por afogamento. “mataram lá alguns e outros
trouxeram malferidos, que na praia acabaram de matar” (NOBREGA, p.215). Segundo
Mem de Sá em carta enviada ao rei de Portugal em 31 de março de 1560, os corpos
dos índios mortos enfileirados na praia, somados faziam uma légua.
‘Neste tempo veio recado ao governador como o
gentio topenequin da Capitania dos Ilhéus se alevantara e tinha mortos muitos
cristãos e distroidos e queimados todos os engenhos dasuquares e os moradores
estavão serquados e não comião jaa senão laranjas e logo o puz em conselho e
posto que muitos erão que não fosse por não ter poder para lhes resistir nem o
poder do imperador fui com pouca gente que me seguiu e na noite que entrei nos
Ilhéus fui a pé dar em uma aldeia que estava sete leguas da vila em um alto
pequeno toda cercada d’água ao redor d’alagoas e as passamos com muito trabalho
e ante manhã duas horas dei n’aldeia e a destroi e matei todos os que quiseram
resistir e a vinda vim queimando e destroindo todas as aldeias que ficaram
atraz e por se o gentio ajuntar e me vir seguindo ao longo da praia lhe fiz
algumas ciladas onde os cerquei e lhes foi forçado deitarem-se a nado mar costa
brava mandei outros indios traz êles e gente solta que os seguiram perto de
duas léguas e lá no mar pelejaram de maneira que nenhum topenequim ficou vivo,
e todos os trouxeram a terra e os pozeram ao longo da praia por ordem que
tomavam os corpos perto de uma légua fiz outras muitas saidas em que destroi
muitas aldeias fortes e pelejei com êles outras vezes em que foram muitos
mortos e feridos e já não ousavam estar senão pelos montes e brenhas onde
matavam os cães e galos e constrangidos da necessidade vieram a pedir
misericordia e lhes dei pazes com condição que haviam de ser vassalos de sua
alteza e pagar tributo e tornar a fazer os engenhos tudo acceitaram e fizeram e
ficou a terra pacifica em espaço de trinta dias onde fui a minha custa dando
mesada a toda a pessoa honrada e tão bem digo e tão boa como é notório’”
(CAMPOS, 2001, p.84-85).
Com o fim da batalha, os
índios sobreviventes foram condenados a pagar os prejuízos causados aos
colonos, alguns outros fugiram do litoral para o interior. Posteriormente como
estratégia de tornar os índios mais dóceis e facilitar a colonização os padres
da Companhia de Jesus iniciam a catequização dos indígenas e a formação dos
aldeamentos. Dentro desse contexto, temos a chegada dos escravizados africanos
na Capitania de Ilhéus.
Este breve histórico com
algumas características indígenas, será importante dentro da construção do
engenho, já que muitos dos elementos indígenas estarão presentes dentro de todo
processo colonizador.
A contribuição dos índios foi muito importante para o crescimento do engenho
ResponderExcluirTupinambás é o nome de um povo indígena brasileiro que, por volta do século XVI, habitava duas regiões da costa brasileira: a primeira ia desde a margem direita do rio São Francisco até o Recôncavo Baiano; a segunda ia do cabo de São Tomé, no atual estado do Rio de Janeiro, até São Sebastião, hoje o estado de São Paulo. Esse segundo grupo também era denominado de tamoio.
ResponderExcluirAo todo, ambos os grupos compunham-se de 100.000 indivíduos e eram a nação indígena mais conhecida de toda a costa brasileira pelos navegadores europeus do século XVI. A maior parte da população Tupinamba vive nos centros urbanos, principalmente nas regiões metropolitanas do sudeste, centro-oeste e nordeste. No sudeste, São Paulo é a cidade com maior população de etnia Tupinambá. No litoral paulista há diversas famílias Tupinambá, vivendo com os Guarani-mbyá, reconhecidos pelo Estado brasileiro como tupi-guarani.
Na praia do Cururupe, que traduzido é Mar de Sangue, foi onde aconteceu o grande massacre indígena, por isso a praia leva esse nome, em razão da grande batalha ocorrida.
Os índios foram cercados pelas tropas do Capitão Vasco Rodrigues Caldas, devido a isso, eles se jogaram no mar mas foram atacados pelos índios das aldeias da Bahia, nadadores magníficos, aliados de Mem de Sá, muitos índios foram mortos no massacre, muitos morreram afogados também.
Com o final disso tudo, eles foram obrigados a pagar pelos prejuízos causados aos colonos e muitos fugiram do litoral para o interior. Como forma de tornar os índios mais compassivos, iniciaram a catequização dos mesmos e a formação de aldeamentos.
Com o início da lavoura canavieira, os portugueses penetraram mais para o interior, alcançando a área de domínio dos índios Aimorés. Os índios começaram a atacar os invasores e acabaram afugentando os moradores da região de Ilhéus, o que contribuiu para a decadência da lavoura canavieira neste período. Anos depois, muitos Aimorés foram exterminados a mando do rei de Portugal.
ResponderExcluirOs escravos do Engenho de Santana, tal como os índios, deixaram registrados para a história, momentos importantes de luta e resistência. Especialmente no conflito e ocupação do Engenho de Santana, eles reivindicaram melhores condições de vida: direito de folgar, dançar e cantar; também formularam reivindicações trabalhistas, como: limitação da quantidade de canas por feixe, aumento do número de trabalhadores para o desenvolvimento de determinadas tarefas, a posse dos instrumentos de trabalho, maior tempo disponível para suas atividades pessoais, limitação da sua jornada de trabalho, etc.
ResponderExcluirDe cara podemos ver que os índios tiveram tamanha importância para o engenho,principalmente para a colonização do local com seus elementos culturais e econômicos que influenciaram de certa forma dos portugueses e africanos.Aqui habitavam grupos tupis(Tupinambás),que viviam na região norte e vieram para cá trazendo consigo outros diferentes grupos.Uma das características mais marcantes da tribo tupinambá era um ritual realizado com a morte de um inimigo.Os cronistas e sacerdotes da época acreditavam que o ritual era feito por motivo de vigança.Esse ritual tem o nome de antropofagia.O ritual era visto como símbolo de masculinidade para os índios da época,já que para um indivíduo casar-se,deveria matar o seu inimigo.Hoje em dia isso é visto como brutalidade,porém na época não era algo escandaloso para os indígenas.No engenho existiam 132 escravos,125 indios e 7 negros que vieram do Guiné,dedicados a produção de açúcar
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