Mostrando postagens com marcador Africano. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Africano. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

O Perfil Africano


O AFRICANO E O CONTEXTO DA ESCRAVIDÃO NO ENGENHO DE SANTANA

Alguns pontos do Sistema Escravista aplicado no Brasil colonial precisam ser elucidados, para que se entenda a dinâmica da escravidão no Engenho de Santana. A escravidão já era praticada desde a Antiguidade, porém, com certas peculiaridades: apresentava-se como resultado de guerras ou de dívidas; como por exemplo, um escravo poderia ser um homem livre, vencido em uma batalha, ou aquele que não tinha condições de pagar sua dividas, sendo assim, escravizado até que o valor fosse pago. De modo igual como na Antiguidade, essa prática sempre existiu na África, principalmente como resultado de guerras tribais. Estas guerras tribais também eram comuns no continente americano, como dito anteriormente, os índios da Capitania de Ilhéus também tinham esse caráter bélico.

            A escravidão transformada como base de um sistema de produção, e como peça chave de um comércio extremamente lucrativo dentro da época moderna, é uma construção europeia. É a introdução de um comércio transatlântico, com escravos capturados exclusivamente da África. A cor da pele torna-se o fator principal de diferenciação social. Matta salienta, que a escravidão de povos africanos também tem suas raízes na reconquista da península ibérica contra o Islã.
Os descobrimentos portugueses tinham também um caráter de continuação da reconquista contra o Islã, assim como de fortalecimento do cristianismo contra os tradicionais rivais maometanos. A escravidão usou, ao menos a princípio, o argumento da Guerra Santa. Os primeiros escravos eram na maioria capturados entre os negros islâmicos do Magreb e da região sudanesa. Os negros da Guiné, do Senegal, da Mauritânia. O tráfico, novidade da escravidão moderna, que transformava o processo de captura e escravidão em sistemático processo de comercialização infame, expandiu o processo todo, e a própria navegação portuguesa que entrou em contato com muitas Áfricas. (MATTA, 2013, p.22)
            Os portugueses conheciam as heterogeneidades étnico culturais africanas e, para afirmação de um novo modelo de escravidão, era necessário afirmar a diferença dentro da diversidade. O escravo passa a ser um produto valorizado dentro do continente Africano, a ponto de os próprios africanos organizarem expedições tribais para capturar escravos e vender aos europeus.
            Durante os séculos XVI e XIX, os habitantes da África não se viam necessariamente como “negros”, muitos deles se viam como grupos diferenciados e até inimigos entre si. O termo “negro” é uma construção da população branca em relação ao o outro. A construção do vocábulo aconteceu com a supressão de várias identidades étnicas locais dentro do continente africano. Até mesmo a noção de África como território homogêneo é uma construção advinda da Europa. Identidades e diferenças construídas para servirem de base ao sistema escravista que estava em andamento. Estas diferenças se fazem presentes na própria composição da senzala do Engenho de Santana.
“ Por ora, registremos que a desconstrução da diversidade de etnias negras e das realidades culturais africanas, mergulhando-as dentro de uma grande raça localizada em um espaço geográfico único e imaginariamente homogêneo -  e a simultânea visão desta parte da humanidade como “inferior”, ao mesmo tempo em que se encarava o continente africano como lugar exterior à “civilização” – tudo isso, juntamente com uma nova noção de “ escravo” constitui o fundo ideológico da montagem do sistema escravista no Brasil.” (BARROS, 2014, p.48)
            Essa construção do negro nos moldes da escravidão moderna passava pela afirmação e desconstrução de certas identidades africanas, como por exemplo, a construção de identidades tribais com o intuito de rivalizar e incentivar guerras; obtendo mais escravos. Os portugueses adotam uma tática parecida no combate a índios rebelados no Brasil, como no caso da Batalha dos Nadadores, onde tribos indígenas insurgentes são reprimidas pelos portugueses com a ajuda de tribos rivais.

            Quando enviado para o trabalho nas colônias, havia uma separação estratégica de escravos de mesmo grupo étnico cultural, ou com laços afetivos, misturando escravos; com o intuito de evitar que as identidades locais africanas fossem revividas no cativeiro e, consequentemente, evitando possíveis revoltas.
            A descaracterização dos elementos culturais africanos e a homogeneização da ideia de negro, era a peça chave no processo. Há um deslocamento da ideia de escravidão, saindo do eixo da desigualdade cultural, para a diferença racial. Muitas comunidades tribais africanas foram igualadas, no imaginário ocidental, com o único aspecto que tinham em comum: a cor da pele.

“o negro no Brasil e no resto da américa passou a ser visto como uma realidade única e monolítica, e, com o tempo, foi levado a enxergar a si mesmo também desta maneira. Perdidos os antigos padrões de identidade que existiam na africa, o negro afro-brasileiro sentiu-se compelido a iniciar a aventura de construir para si uma nova identidade cultural, adaptando-a a própria cultura colonial. Com isso iram surgir novos padrões religiosos, diversidades alternativas sincréticas, uma nova arte e uma nova música, e tantas outras contribuições que já não são propriamente africanas” (BARROS, 2014, p.48)
            A estratégia de separar negros por etnia ou grupos linguísticos, é um recurso de separação por diferenças, para que o negro não se reconheça no outro. Essas heterogeneidades, mesmo existentes em lutas anteriores, é explorada estrategicamente pelos europeus, evitando o surgimento de comunicação e ajuda mútua entre os escravizados. A ideia é provocar uma perda de identidade étnica. Esta separação fica evidente no Engenho de Santana, onde durante a revolta de 1789, escravos nascidos no Brasil (crioulos), propõem os trabalhos mais pesados para os escravos recém-chegados da África (pretos minas).
            A língua já não mais representa seus valores de origem, mas suas qualificações para o trabalho; os negros passam a ser identificados segundo seus portos de origem: Cabinda, Quelimares, Minas, Benguelas, Benins. As relações de parentesco e organizações tribais são rompidas, evocando os lugares de partida para construção de mão de obra escravizada.

No Engenho de Santana as origens dos escravos em sua maioria era crioula ou seja, escravos nascidos no Brasil. Os escravos africanos que aqui chegaram em menor número eram de origem da Guiné e Costa da Mina. Sobre essa situação atípica, onde o maior numero de escravos eram nascidos no Brasil, Schwartz revela:

“Na década de 1790, restavam poucos indivíduos nascidos na Africa entre os escravos, mas em 1828, os 222 escravos de Santana eram, com exceção de uma mulher idosa, todos nascidos no Brasil. Essa situação extraordinária era bem diferente da que ocorria na maioria dos engenhos baianos, onde predominavam africanos. Ademais, ao contrário da maioria dos engenhos de açúcar, o índice de sexos estava bem equilibrado, com 109 homens e 113 mulheres.” (SCHWARTZ, 2001, p.111)
            Os escravos nascidos no Brasil tinham certos privilégios em relação aos escravos recém chegados da África. Como já conheciam o território e a língua, os crioulos sabiam explorar melhor as possíveis brechas dentro do sistema em que estavam inseridos. Muitas vezes, em situações conflituosas, ficavam do lado de seus senhores, contra os escravos recém-vindos.
            Essa rivalidade entre os cativos poderia ser muito vantajosa para os senhores, já que, assim, estes estariam constantemente em guerras e não se uniriam contra a casa grande. Outra forma de minar a união e solidariedade na formação de uma comunidade escrava era a promoção de alguns escravos para certos cargos de comando dentro da senzala; criando assim uma hierarquia social e gerando mais conflitos.
            Durante os séculos de escravidão, várias táticas foram utilizadas pelos senhores para maior controle dos cativos, como a permissão para cultivo de suas próprias roças. Frequentemente era destinado um dia da semana para que o escravo, cultivasse seu próprio alimento. Essa era uma das poucas oportunidades de os escravos adquirirem bens que não possuíssem, ou juntar dinheiro para possivelmente comprar sua liberdade. Essa estratégia não era uma regra geral, já que muitos senhores consideravam perigoso esse excesso de liberdade para com os cativos. Outros observavam com vantagem, uma vez que o escravo produzindo seu alimento, não haveria necessidade de alimentá-lo; ademais, essa liberdade dava maior permanência do escravo no engenho, facilitando assim o seu controle por parte do senhor. Além disso, ter sua própria roça motivava os escravos a trabalharem mais e em tempo hábil, já que poderiam trabalhar nela quando tivessem terminado o trabalho nas terras de seu senhor. Sobre a produção em suas próprias roças, no Engenho de Santana os escravos produziam seus próprios alimentos, podendo até mesmo vender o excedente para seus senhores.

“Um administrador reclamou em 1748 que seu antecessor havia parado de plantar mandioca porque os escravos quase sempre roubavam na roça, mas que a farinha de mandioca era necessária “ para os enfermos e para fornecer aos negros que estão sempre necessitados” e porque “ há um mercado para ela na Bahia”. Na década de 1750, o próprio engenho comprava o excesso de mandioca dos escravos por um preço inferior ao preço de mercado.” (SCHWARTZ, 2001, p.111)
            Vários são os incentivos por parte dos senhores para que houvesse uma maior produtividade nos engenhos. Os incentivos iam desde um pouco de cachaça, em alguns dias da semana; ou até mesmo, pagamentos com parte da produção, onde os cativos poderiam vender seus produtos.
            A possibilidade de uma mobilidade social, também motivava os escravos a trabalharem mais e a serem disciplinados. Escravos em posições administrativas ou semi-administrativas criavam uma imagem de uma possível ascensão social dentro das senzalas, a possibilidade de alcançar tais posições, gerava uma esperança e aumentava a produtividade daqueles.
“Haveria mais dissensão e enfraquecimento dos laços de solidariedade entre os escravos do que coesão, com muitos deles distanciando-se de seus pares, por meio de estratégias emprestadas pelos costumes brancos e com interesse na mobilidade social. Como consequência, os escravos que ganhassem certos recursos não reconheceriam os demais como parceiros. Não haveria, portanto, uma comunidade escrava, já que um grande nível de conflito entre eles seria a regra, e hierarquias sociais se formariam dentro das senzalas, com alguns ocupando posições mais proeminentes do que outros” (FARIA, 2006, p.126)
Estas características ficam evidentes na composição étnica e cultural grande centro econômico da capitania de Ilhéus foi o engenho de Santana. Neste engenho o trabalho era dividido de acordo com a origem dos escravizados: africana, crioula ou mulata. Além disso, as funções eram de escravo de lavoura, de enxada, de roça e serra. Escravos domésticos recebiam um melhor tratamento e certos privilégios em relação a outros escravos.

A Revolta Escrava de 1789


A REVOLTA ESCRAVA NO ENGENHO DE SANTANA 1789

            No final do século XVIII, ocorre uma revolta escrava no Engenho de Santana, nela são evidenciadas algumas características da escravidão, e o grau de diferenciação entre os próprios escravos.
Os Escravos escrevem um tratado de paz que é apresentado ao proprietário do engenho de Santana, como negociação para voltarem aos afazeres. Essa paralização, parou o engenho, e os escravos fugiram para quilombos próximos a ilhéus. No tratado, são apontados pontos que demonstram a capacidade de negociação os escravos, diante das adversidades de uma sociedade escravista. 

            Em 1789, um grupo de escravos matou o feitor e fugiu sob a liderança de Gregório Luís (mestiço de mulato e negro), provocando a paralização do engenho por dois anos. Até serem atacados por uma expedição militar, solicitada pelo dono do engenho, o Provedor da Casa da Moeda da Bahia, Manuel da Silva Ferreira. Diante disso, os escravos escreveram uma carta – um tratado de paz - objetivando uma negociação e a volta ao trabalho.  Segue abaixo o documento escrito pelos escravos.
“Meu Senhor, nós queremos paz e não queremos guerra; se meu Senhor também quiser a nossa paz há de de ser nesta conformidade, se quiser estar pelo que nós quisermos a saber:
Em cada semana nos há de dar os dias de sexta-feira e de sábado para trabalharmos para nós não tirando um destes dias por causa do dia santo.
Para podermos viver nos há de dar rede, tarrafa e canoas.
 Não nos há de obrigar a fazer camboas, nem amariscar, e quando quiser fazer camboas e mariscar mande os seus pretos Minas.
Para o seu sustento tenha lancha de pescaria e canoas do alto e quando quiser comer mariscos mande os seus pretos Minas.
 Faça uma barca grande para quando for para a Bahia nós metermos as nossas cargas para não pagarmos fretes.
Na planta de mandioca, os homens queremos que só tenham tarefa de duas mãos e meia e as mulheres de duas mãos.
 A tarefa de farinha há de ser de cinco alqueires rasos, pondo arrancadores bastantes para estes servirem de pendurarem os tapetes.
 A tarefa de cana há-de ser de cinco mãos, e não de seis, e a das canas em cada feixe.
 No barco há-de pôr quatro varas, um para o leme, e um no leme puxa muito por nós.
 A madeira que se serrar com serra de mão em baixo hão de serrar três, e um em cima.
 A medida de lenha há-de ser como aqui se praticava, para cada medida um cortador, e uma mulher para carregadeira.
 Os atuais feitores não os queremos, faça eleição de outros com a nossa aprovação.
 Nas moendas há de pôr quatro madeiras e duas guindas e uma na carcanha.
Em cada uma caldeira há de haver botador de fogo, e em cada terno de taixas o mesmo, e no dia de sábado há de haver peja no Engenho.
Os marinheiros que andam de lancha além camisa de bata que se lhes dá, hão de deter Gibão de bata, e todo o vestuário necessário.
O canavial de Jaribu o iremos aproveitar por esta vez, e depois há-de ficar para pasto porque não podemos andar tirando canas para entre mangues.
 Poderemos plantar nosso arroz onde quisermos e em qualquer brejo, sem que para isso peçamos licença, e poderemos cada um tirar jacarandás ou outro qualquer pau sem darmos parte para isso.
A estar por todos os artigos acima, e concedermos estar sempre de posse da ferramenta, estamos prontos para servirmos como dantes, porque não queremos seguir os maus costumes dos mais Engenhos.
Podemos brincar, folgar, e cantar todos os tempos que quisermos sem que nos impeça e nem seja preciso licença”. (REIS, SILVA, 1989, p.123,124)
O tratado elucida vários pontos acerca da vida dos escravos nas senzalas. As reivindicações vão, desde condições materiais de vida, da busca pelo lazer ao direito de professar sua própria crença religiosa. Procuravam limitar atividades que consideram desagradáveis, destinando-as a outros escravos. No tratado não há menção a castigos físicos, evidenciando-se, assim, a diferenciação entre crioulos e africanos. 
Os escravos de Santana pretendiam jogar a maior carga de trabalho para os “pretos minas”, escravos recém chegados da África; já que eram os crioulos, escravos nascidos no brasil, que estavam organizando a revolta. A língua e a convivência com os senhores, colocavam os crioulos numa posição de melhor controle em relação aos recém chegados. É importante perceber como havia na negociação vários fatores de diferenciação entre os escravos.
O tratado chama atenção para a existência de conflitos e divergências entre os escravos crioulos e africanos, os “pretos minas”. [...] os escravos não formavam uma comunidade única pela condição de escravidão, e no Santana, os crioulos, como eram chamados os escravos nascidos no Brasil, sempre foram maioria em relação aos africanos. Eram eles que formaram, portanto, a maioria dos rebelados que redigiram o Tratado de paz. Entretanto, nas diversas experiências de resistência ao regime de escravidão, as divergências étnicas não foram os principais impedimentos. (MARCIS, 2012. p.306)
Dentre as reivindicações, estava o número de escravos para o serviço de moer a cana. Segundo Antonil, o número mínimo era de mão de obra para o serviço era de sete ou oito de escravos.
“As escravas de que necessita a moenda, são sete ou oito, a saber: três para trazer cana, uma para a meter, outra para passar o bagaço, outra para consertar e acender as candeias, que na moenda são cinco, e para limpar o cocho do caldo (a quem chamam cocheira ou calumbá) e os aguilhões da moenda e refresca -los com água para que não ardam, servindo-se para isso do parol da água, que tem debaixo do rodete, tomada da que cai do aguilhão, como também para lavar a cana enlodada, e outra, finalmente, para botar fora o bagaço, ou no rio, ou na bagaceira, para se queimar a seu tempo. E, se for necessário botá-lo em parte mais adiante, não bastará uma só escrava, mas haverá mister outra que a ajude, porque, de outra sorte, não se daria vazão a tempo, e ficaria embaraçada a moenda. ” (ANTONIL, 1982, p.47)
As reivindicações do tratado demonstram pontos em comum sobre os funcionamentos de engenho do brasil colonial.  Os escravos do Engenho de Santana sabiam da necessidade de alternar os turnos nas funções dentro do engenho. Além disso, pediam folga nos fins de semana, já que os proprietários do engenho adotavam o trabalho em dois turnos e sete dias por semana.
Depois de extraído o caldo, o mesmo era levado para as caldeiras. Segundo Marcis, existiam em Santana, cerca de quatro caldeiras de ferro e quatro tachas de cobre. Esse trabalho era fiscalizado pelo “ mestre-de-açúcar”, como era uma atividade que exigia certa especialização, muitas vezes se recorria a trabalhadores livres ou escravos crioulos. Sobre esse trabalho no engenho, a autora nos informa.
“Ele fiscalizava a fervura nas caldeiras e purificava o caldo, colocando cinzas e mandando retirar a espuma que se formava. Algumas mãos a mais de cinza ou se a espuma não fosse retirada, por descuido ou boicote, todo o conteúdo da caldeira ficaria arruinado.[...] Depois de pronto, era ainda batido e então colocado em recipientes de barro ou formas. As formas, feitas de argila em forma de sino com um pequeno furo na parte inferior, eram produzidas na olaria do Santana.”  (MARCIS, 2013, p.303)
Após esse processo, eram transferidas para a casa de purgar, onde ficavam em processo de purgação por uma média de 30 dias. No final, a forma era quebrada e as pedras de açúcar eram separadas pela qualidade e brancura.
Além dos trabalhos destinados a produção de cana de açúcar, o documento revela muitas atividades extras, que desagradavam os escravos. “ Das 14 reividicações feitas, sete são relativas a essas atividades complementares ou paralelas, destinadas principalmente a prover o sustento dos administradores” (MARCIS, 2013, p.305), Atividades como pesca e mariscagem eram consideradas perigosas ou humilhantes, e os escravos rebelados sugerem que sejam destinados aos escravos de origem africana, “ os pretos minas”.
Os instrumentos usados para a pesca eram a tarrafa e uma armadilha chamada de gamboa ou camboa, instrumento esse indígena e adotado pelos escravos do engenho. A técnica consistia em um aproveitamento dos movimentos de maré, fazendo-se um cercado durante a maré baixa, e que durante a subida e vazão da maré, facilitava a captura dos peixes e mariscos ali represados. No documento os escravos reivindicam a propriedade dos instrumentos de pesca e que o trabalho deveria ser feito em horários pré-determinados; as posses dessas ferramentas lhes dariam uma vantagem em possíveis negociações.  
No engenho de Santana, os escravos tinham a possibilidade de cultivo em suas próprias roças. Trabalhavam nas horas de descanso, em suas plantações. Segundo (SCHWARTZ, 1998), os escravos podiam vender seus produtos, até mesmo ao senhor do engenho, este comprava por um terço do valor. Essa possibilidade de os escravos terem suas próprias roças, era resultado de uma negociação com o senhor; pois com isso aumentava a produtividade, controlava os custos com alimentação e fixava melhor o escravo na senzala. Essa negociação é expressa nos termos “ sem que para isso lhe peçamos licença [..] sem que precise dar conta”
Diante disso, os senhores perceberam que a melhor forma de aproveitar o trabalho dos escravizados era através de castigos e recompensas; dentro dessa dualidade estes encontraram a oportunidade de melhorar sua condição de vida e trabalho.

“Os proprietários, não todos, em seus cálculos para a extração da mais-valia, também perceberam que poderia ser mais lucrativo oferecer incentivos, sem dispensar o chicote. E são esses incentivos que os escravos do Santana souberam aproveitar para seguir vivendo. Os incentivos mais comumente utilizados, além dos presentes, como medalhas, santinhos, roupas novas e peixes no período da Páscoa, abrangiam a possibilidade de formar famílias através do matrimônio e a permissão para cultivar suas roças de alimentos nas terras do engenho. ” (MARCIS, 2013, p.310)
Conforme o documento, pediam as sextas feiras livres para se dedicaram a seus próprios trabalhos, com o direito de plantar arroz e cortar madeira, além de solicitar ao dono do engenho um barco para levar sua produção a Salvador, sem pagar taxa de envio. Podemos comparar essas reivindicações com as negociações trabalhistas modernas que, dentro do sistema escravista foram extremamente revolucionárias.
“Esses últimos, apesar de serem lucrativos aos proprietários, eram considerados arriscados, pois implicava permitir que os escravos ficassem longe dos olhos vigilantes do feitor durante parte do tempo em que estivessem em suas roças, além do perigo maior representado pela posse das ferramentas. No tratado, reivindicaram a posse das ferramentas, confirmando a importância dessa condição para garantir certa autonomia em relação ao controle do proprietário. ” (MARCIS, 2013, p.310)
Se por um lado os senhores poderiam até mesmo lucrar com tais “ incentivos”, os escravos souberam utilizar essas lacunas em forma de reivindicações nos espaços de autonomia e liberdade, longe da fiscalização dos senhores. 
Em 1791, Manuel Silva finge aceitar as reivindicações dos escravos e promete alforriar seu líder Gregório Luís, porém, quando os escravos voltam ao trabalho, são presos e seus líderes vendidos para outras capitanias.

“Parece que a base de sua resistência não estava nas solidariedades etinicas africanas, mas, pelo contrario, nos objetivos comuns, nas objeções especificas aos que administravam o latifúndio pelos proprietários ausentes, e em sua insatisfação com determinados aspectos do regime de trabalho.” (SCHWARTZ, 2001, p.111)
O documento demonstra o papel dos cativos como agentes históricos e atuantes dentro do processo da escravidão. Capazes de fazer reivindicações e exercer pressão dentro do sistema escravista, mesmo não representando um corpo homogêneo dentro dessa lógica. Os escravos traziam consigo toda sua história anterior ao cativeiro, sua língua, religião, além das rivalidades africanas - que não se apagavam em função do cativeiro.