segunda-feira, 1 de outubro de 2018

A Revolta Escrava de 1789


A REVOLTA ESCRAVA NO ENGENHO DE SANTANA 1789

            No final do século XVIII, ocorre uma revolta escrava no Engenho de Santana, nela são evidenciadas algumas características da escravidão, e o grau de diferenciação entre os próprios escravos.
Os Escravos escrevem um tratado de paz que é apresentado ao proprietário do engenho de Santana, como negociação para voltarem aos afazeres. Essa paralização, parou o engenho, e os escravos fugiram para quilombos próximos a ilhéus. No tratado, são apontados pontos que demonstram a capacidade de negociação os escravos, diante das adversidades de uma sociedade escravista. 

            Em 1789, um grupo de escravos matou o feitor e fugiu sob a liderança de Gregório Luís (mestiço de mulato e negro), provocando a paralização do engenho por dois anos. Até serem atacados por uma expedição militar, solicitada pelo dono do engenho, o Provedor da Casa da Moeda da Bahia, Manuel da Silva Ferreira. Diante disso, os escravos escreveram uma carta – um tratado de paz - objetivando uma negociação e a volta ao trabalho.  Segue abaixo o documento escrito pelos escravos.
“Meu Senhor, nós queremos paz e não queremos guerra; se meu Senhor também quiser a nossa paz há de de ser nesta conformidade, se quiser estar pelo que nós quisermos a saber:
Em cada semana nos há de dar os dias de sexta-feira e de sábado para trabalharmos para nós não tirando um destes dias por causa do dia santo.
Para podermos viver nos há de dar rede, tarrafa e canoas.
 Não nos há de obrigar a fazer camboas, nem amariscar, e quando quiser fazer camboas e mariscar mande os seus pretos Minas.
Para o seu sustento tenha lancha de pescaria e canoas do alto e quando quiser comer mariscos mande os seus pretos Minas.
 Faça uma barca grande para quando for para a Bahia nós metermos as nossas cargas para não pagarmos fretes.
Na planta de mandioca, os homens queremos que só tenham tarefa de duas mãos e meia e as mulheres de duas mãos.
 A tarefa de farinha há de ser de cinco alqueires rasos, pondo arrancadores bastantes para estes servirem de pendurarem os tapetes.
 A tarefa de cana há-de ser de cinco mãos, e não de seis, e a das canas em cada feixe.
 No barco há-de pôr quatro varas, um para o leme, e um no leme puxa muito por nós.
 A madeira que se serrar com serra de mão em baixo hão de serrar três, e um em cima.
 A medida de lenha há-de ser como aqui se praticava, para cada medida um cortador, e uma mulher para carregadeira.
 Os atuais feitores não os queremos, faça eleição de outros com a nossa aprovação.
 Nas moendas há de pôr quatro madeiras e duas guindas e uma na carcanha.
Em cada uma caldeira há de haver botador de fogo, e em cada terno de taixas o mesmo, e no dia de sábado há de haver peja no Engenho.
Os marinheiros que andam de lancha além camisa de bata que se lhes dá, hão de deter Gibão de bata, e todo o vestuário necessário.
O canavial de Jaribu o iremos aproveitar por esta vez, e depois há-de ficar para pasto porque não podemos andar tirando canas para entre mangues.
 Poderemos plantar nosso arroz onde quisermos e em qualquer brejo, sem que para isso peçamos licença, e poderemos cada um tirar jacarandás ou outro qualquer pau sem darmos parte para isso.
A estar por todos os artigos acima, e concedermos estar sempre de posse da ferramenta, estamos prontos para servirmos como dantes, porque não queremos seguir os maus costumes dos mais Engenhos.
Podemos brincar, folgar, e cantar todos os tempos que quisermos sem que nos impeça e nem seja preciso licença”. (REIS, SILVA, 1989, p.123,124)
O tratado elucida vários pontos acerca da vida dos escravos nas senzalas. As reivindicações vão, desde condições materiais de vida, da busca pelo lazer ao direito de professar sua própria crença religiosa. Procuravam limitar atividades que consideram desagradáveis, destinando-as a outros escravos. No tratado não há menção a castigos físicos, evidenciando-se, assim, a diferenciação entre crioulos e africanos. 
Os escravos de Santana pretendiam jogar a maior carga de trabalho para os “pretos minas”, escravos recém chegados da África; já que eram os crioulos, escravos nascidos no brasil, que estavam organizando a revolta. A língua e a convivência com os senhores, colocavam os crioulos numa posição de melhor controle em relação aos recém chegados. É importante perceber como havia na negociação vários fatores de diferenciação entre os escravos.
O tratado chama atenção para a existência de conflitos e divergências entre os escravos crioulos e africanos, os “pretos minas”. [...] os escravos não formavam uma comunidade única pela condição de escravidão, e no Santana, os crioulos, como eram chamados os escravos nascidos no Brasil, sempre foram maioria em relação aos africanos. Eram eles que formaram, portanto, a maioria dos rebelados que redigiram o Tratado de paz. Entretanto, nas diversas experiências de resistência ao regime de escravidão, as divergências étnicas não foram os principais impedimentos. (MARCIS, 2012. p.306)
Dentre as reivindicações, estava o número de escravos para o serviço de moer a cana. Segundo Antonil, o número mínimo era de mão de obra para o serviço era de sete ou oito de escravos.
“As escravas de que necessita a moenda, são sete ou oito, a saber: três para trazer cana, uma para a meter, outra para passar o bagaço, outra para consertar e acender as candeias, que na moenda são cinco, e para limpar o cocho do caldo (a quem chamam cocheira ou calumbá) e os aguilhões da moenda e refresca -los com água para que não ardam, servindo-se para isso do parol da água, que tem debaixo do rodete, tomada da que cai do aguilhão, como também para lavar a cana enlodada, e outra, finalmente, para botar fora o bagaço, ou no rio, ou na bagaceira, para se queimar a seu tempo. E, se for necessário botá-lo em parte mais adiante, não bastará uma só escrava, mas haverá mister outra que a ajude, porque, de outra sorte, não se daria vazão a tempo, e ficaria embaraçada a moenda. ” (ANTONIL, 1982, p.47)
As reivindicações do tratado demonstram pontos em comum sobre os funcionamentos de engenho do brasil colonial.  Os escravos do Engenho de Santana sabiam da necessidade de alternar os turnos nas funções dentro do engenho. Além disso, pediam folga nos fins de semana, já que os proprietários do engenho adotavam o trabalho em dois turnos e sete dias por semana.
Depois de extraído o caldo, o mesmo era levado para as caldeiras. Segundo Marcis, existiam em Santana, cerca de quatro caldeiras de ferro e quatro tachas de cobre. Esse trabalho era fiscalizado pelo “ mestre-de-açúcar”, como era uma atividade que exigia certa especialização, muitas vezes se recorria a trabalhadores livres ou escravos crioulos. Sobre esse trabalho no engenho, a autora nos informa.
“Ele fiscalizava a fervura nas caldeiras e purificava o caldo, colocando cinzas e mandando retirar a espuma que se formava. Algumas mãos a mais de cinza ou se a espuma não fosse retirada, por descuido ou boicote, todo o conteúdo da caldeira ficaria arruinado.[...] Depois de pronto, era ainda batido e então colocado em recipientes de barro ou formas. As formas, feitas de argila em forma de sino com um pequeno furo na parte inferior, eram produzidas na olaria do Santana.”  (MARCIS, 2013, p.303)
Após esse processo, eram transferidas para a casa de purgar, onde ficavam em processo de purgação por uma média de 30 dias. No final, a forma era quebrada e as pedras de açúcar eram separadas pela qualidade e brancura.
Além dos trabalhos destinados a produção de cana de açúcar, o documento revela muitas atividades extras, que desagradavam os escravos. “ Das 14 reividicações feitas, sete são relativas a essas atividades complementares ou paralelas, destinadas principalmente a prover o sustento dos administradores” (MARCIS, 2013, p.305), Atividades como pesca e mariscagem eram consideradas perigosas ou humilhantes, e os escravos rebelados sugerem que sejam destinados aos escravos de origem africana, “ os pretos minas”.
Os instrumentos usados para a pesca eram a tarrafa e uma armadilha chamada de gamboa ou camboa, instrumento esse indígena e adotado pelos escravos do engenho. A técnica consistia em um aproveitamento dos movimentos de maré, fazendo-se um cercado durante a maré baixa, e que durante a subida e vazão da maré, facilitava a captura dos peixes e mariscos ali represados. No documento os escravos reivindicam a propriedade dos instrumentos de pesca e que o trabalho deveria ser feito em horários pré-determinados; as posses dessas ferramentas lhes dariam uma vantagem em possíveis negociações.  
No engenho de Santana, os escravos tinham a possibilidade de cultivo em suas próprias roças. Trabalhavam nas horas de descanso, em suas plantações. Segundo (SCHWARTZ, 1998), os escravos podiam vender seus produtos, até mesmo ao senhor do engenho, este comprava por um terço do valor. Essa possibilidade de os escravos terem suas próprias roças, era resultado de uma negociação com o senhor; pois com isso aumentava a produtividade, controlava os custos com alimentação e fixava melhor o escravo na senzala. Essa negociação é expressa nos termos “ sem que para isso lhe peçamos licença [..] sem que precise dar conta”
Diante disso, os senhores perceberam que a melhor forma de aproveitar o trabalho dos escravizados era através de castigos e recompensas; dentro dessa dualidade estes encontraram a oportunidade de melhorar sua condição de vida e trabalho.

“Os proprietários, não todos, em seus cálculos para a extração da mais-valia, também perceberam que poderia ser mais lucrativo oferecer incentivos, sem dispensar o chicote. E são esses incentivos que os escravos do Santana souberam aproveitar para seguir vivendo. Os incentivos mais comumente utilizados, além dos presentes, como medalhas, santinhos, roupas novas e peixes no período da Páscoa, abrangiam a possibilidade de formar famílias através do matrimônio e a permissão para cultivar suas roças de alimentos nas terras do engenho. ” (MARCIS, 2013, p.310)
Conforme o documento, pediam as sextas feiras livres para se dedicaram a seus próprios trabalhos, com o direito de plantar arroz e cortar madeira, além de solicitar ao dono do engenho um barco para levar sua produção a Salvador, sem pagar taxa de envio. Podemos comparar essas reivindicações com as negociações trabalhistas modernas que, dentro do sistema escravista foram extremamente revolucionárias.
“Esses últimos, apesar de serem lucrativos aos proprietários, eram considerados arriscados, pois implicava permitir que os escravos ficassem longe dos olhos vigilantes do feitor durante parte do tempo em que estivessem em suas roças, além do perigo maior representado pela posse das ferramentas. No tratado, reivindicaram a posse das ferramentas, confirmando a importância dessa condição para garantir certa autonomia em relação ao controle do proprietário. ” (MARCIS, 2013, p.310)
Se por um lado os senhores poderiam até mesmo lucrar com tais “ incentivos”, os escravos souberam utilizar essas lacunas em forma de reivindicações nos espaços de autonomia e liberdade, longe da fiscalização dos senhores. 
Em 1791, Manuel Silva finge aceitar as reivindicações dos escravos e promete alforriar seu líder Gregório Luís, porém, quando os escravos voltam ao trabalho, são presos e seus líderes vendidos para outras capitanias.

“Parece que a base de sua resistência não estava nas solidariedades etinicas africanas, mas, pelo contrario, nos objetivos comuns, nas objeções especificas aos que administravam o latifúndio pelos proprietários ausentes, e em sua insatisfação com determinados aspectos do regime de trabalho.” (SCHWARTZ, 2001, p.111)
O documento demonstra o papel dos cativos como agentes históricos e atuantes dentro do processo da escravidão. Capazes de fazer reivindicações e exercer pressão dentro do sistema escravista, mesmo não representando um corpo homogêneo dentro dessa lógica. Os escravos traziam consigo toda sua história anterior ao cativeiro, sua língua, religião, além das rivalidades africanas - que não se apagavam em função do cativeiro.





15 comentários:

  1. Os escravos usaram de inteligência pois queriam trabalhar sem ter ngm no pé oq é mlhr pq trabalha com mais liberdade

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  2. A revolta escrava ocorreu de forma indireta, era realizada por danças, cantos e sabotagems na produção agrícola, afim de atingir o senhor de engenho.

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  4. com o fim da administração jesuítica, os novos proprietários pretendiam aumentar a eficiência produtiva e introduzir etnias rivais. Após isso os crioulos incrédulos decidem cessar suas atividades mas de forma pacífica, pois eles não queriam guerra e sim a paz e ter a sua liberdade na escravidão, e com isso apresentam aos senhores um tratado propondo mudanças, mas pelo fato dos crioulos quererem certas mudanças, o proprietário rebate de forma violenta causando assim um massacre e aos poucos que sobreviveram a esse massacre fogem para se juntar aos quilombos.


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  5. Os escravos eram legais e simpáticos

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  7. O Engenho de Santana foi um exemplo de como também ocorreu a resistência escrava no Brasil, em que os cativos buscavam melhorias de trabalho na escravidão.

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  8. Em 1789, no Engenho de Santana de Ilhéus, os escravos crioulos paralisaram o trabalho, mataram o feitor, pegaram as ferramentas do engenho e refugiaram-se nas matas do entorno da região. O objetivo deles não era serem libertos da condição de escravos, mas buscar maior liberdade na escravidão.
    Os escravos afirmaram que não queriam a guerra, e sim a paz. Caso o senhor concordasse com eles, esta deveria ser construída em conformidade com o que eles exigiam.
    Dentre as exigências dos escravos de Manuel da Silva Ferreira havia o pedido de destinação das sextas e dos sábados das semanas para que os escravos pudessem trabalhar para si próprios, pedindo ainda que o senhor destinasse a eles “rede, tarrafa e canoas”, além de poderem plantar o “arroz onde quisermos, e em qualquer brejo, sem que para isso peçamos licença, e poderemos cada um tirar jacarandás ou qualquer pau sem darmos parte para isso”.

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  9. os escravos não queriam a guerra, e sim a paz. Caso o senhor concordasse com eles na paz, esta deveria ser construída em conformidade com o que eles exigiam.

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  10. As rebeliões escravas que ocorreram na Bahia na primeira metade do século XIX tiveram significativa participação de africanos escravizados trazidos do Sudão Central, região que desde o começo do Oitocentos se tornara cenário de conflitos políticos de base religiosa, iniciados com o jihad de 1804. Milhares de vítimas dessas guerras abasteceram embarcações negreiras que deixavam a Costa da Mina com destino à Bahia.

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  11. Os escravos queriam o direito de escolher os feitores, mas dias para poderem cuidar do próprio cultivo, mais transportes para vender seus próprios produtos, e também exigiam que os trabalhos mais árduos fossem executados por escravos vindos diretos da África, os “pretos”.

    O proprietário os reprimiu de forma violenta. Os poucos que sobreviveram ao massacre fugiram para as matas, possivelmente se juntando aos quilombos tão presentes nos sertões da Bahia.

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  12. Por volta de 1573, Santana tinha 130 escravos, mas, por ser um tanto distante e isolada, sofreu ataques indígenas entre 1590 e 1601. Por volta de 1618, a ordem dos jesuítas havia adquirido Santana por herança.


    Sob propriedade dos jesuítas, havia inúmeras reclamações dos maus hábitos dos escravos, que eram descritos como lentos, briguentos, e queriam tirar sempre vantagens, havendo muitos roubos. A baixa produção de açúcar nesse período fez com que, em 1630, o engenho passasse a trabalhar com a extração de madeira e a produção de gêneros alimentícios. Entre 1730-1745, uma série de administradores jesuítas seguiu uma política de promoção de casamentos, que produziu uma comunidade escrava caracterizada por alta proporção das unidades residenciais comandadas por casais.

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  14. A escravidão não é invenção dos portugueses e já existia na África. Mas o tráfico mercantil, liderado por Portugal e depois pelo Brasil, espalhou a prática em escala sem precedentes no oceano Atlântico. Os escravos eram adquiridos pelos traficantes em troca de mercadorias produzidas pela força de trabalho escrava”. Eram embarcados entre 200 e 600 negros na África, a cada viagem. Vinham amarrados por correntes e separados por sexo. Sofriam, além do desconforto físico, falta de água e doenças. No século 19, dos que vinham de Angola, 10% morriam na travessia, que demorava de 35 a 50 dias.

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  15. A história da escravidão nas Américas foi marcada por uma resistência escrava ativa e as suas manifestações, que eram realizadas através de danças, cantos, religiões ou até mesmo reações ao cativeiro.

    E ainda houve duas formas de fugas. Sendo elas,as fugas de rupturas e as fugas por reivindicação

    Fugas por rupturas: Em que os escravos fugiam das fazendas e engenhos em busca da liberdade.

    Fugas por reivindicação: em que os escravos fugiam das fazendas, mas sem o objetivo de conseguirem a liberdade. Essa fuga tinha como objetivo que o escravo não fosse vendido ou até mesmo largado

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